A Instrução Artística do Brasil, o Lunch Expresso e seus diversos serviços prestados durante a Revolução de 1932.

*Rodrigo Gutenberg

A Instrução Artística do Brasil (I.A.B.), uma foi uma instituição fundada em 1931 pela cantora e declamadora Helena de Magalhães Castro, o poeta Guilherme de Almeida e o maestro João Souza Lima. A ideia era aumentar a difusão da arte e de aplicar instruções artísticas em seus diversos ramos, em escolas, apostando na educação artística desde os primórdios dos anos escolares da população.Com a eclosão do movimento constitucionalista em São Paulo, no dia 9 de julho de 1932, Guilherme de Almeida contribui com a Liga de Defesa Paulista e Helena com o Lunch Expresso, um serviço relevantíssimo serviço criado pela I.A.B.Este serviço fabricava diversos kits de lanches que eram colocados dentro de uma caixinha de papelão, características, e que eram fornecidos aos soldados que partiam para o combate.

Algumas das centenas de mulheres que se voluntariaram para trabalhar dia e noite no Lunch Expresso. Ao centro da foto de boina e blazer preto vemos Helena Castro de Magalhães a grande idealizadora e organizadora. Foto feita no dia 18 de julho de 1932.

Helena de Castro Magalhães com a farda 
e o Capacete e Aço Constitucionalistas em 32. 

No dia 15 de julho de 1932, precisamente às 10 horas da manhã, funcionando em um amplo armazém, cedido pelo senhor Dr. Samuel Ribeiro, na Rua 24 de Maio número 2, ao lado do Teatro Municipal foi formado o primeiro grupo de moças que se voluntariaram para fazer os kits de lanches, conseguiram, ainda no mesmo dia, produzir 280 caixinhas que foram distribuídas também no mesmo dia, no início da noite na Estação da Luz o batalhão contemplado com essa primeira leva do Lunch Expresso foi o Batalhão Fernão Dias. Era o início de um trabalho diário da Instrução Artística do Brasil que trabalhou ininterruptamente até o último dia de guerra. Todos os militares de todos os batalhões que partiam da capital para o front, recebiam este kit. Não era somente um caixinha que continha um conjunto de alimentos, era uma caixa que continha amor, carinho e gratidão das mulheres paulistas para os homens que iriam para a guerra. Os combatentes que partiam para a guerra, não sabiam, mas muitas das vezes o Lunch era a única refeição que teriam nas longas horas das batalhas ou preparação delas.

O Conselho Geral do M.M.D.C., na pessoa do Dr. Waldemar Ferreira, Secretário de Justiça e Segurança Pública, percebeu a importância do trabalho desenvolvido pela I.A.B. e reconheceu sua relevância pelos serviços prestados. Ainda sim a A.I.B. permaneceu um posto autônomo de auxílio à guerra, mas pode receber ainda mais colaboradores.

O armazém que produzia o Lunch Expresso era muito bem organizado por segmentos de produção. Também era higienizado e estruturado.
Cada caixinha de lanche, ou seja cada kit, continha geralmente os seguintes alimentos:

  • 1 sanduíche,
  • 2 bananas,
  • 1 laranja,
  • 1 ovo cozido,
  • 1 doce
  • porção de sal,
  • porção de bolachas,
  • porção de balas

Dentro da embalagem também era colocado uma imagem de Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil e no verso continha as seguintes palavras: “Glória ao soldado da Constituição, confiado à guarda de N.S. Aparecida, padroeira do Brasil”. Por fim, era preso do lado de fora da embalagem um maço de cigarros e uma caixinha de fósforos.Com a popularidade da eficiência do trabalho das mulheres que se dedicavam dia e noite no Lunch Expresso, surgiram milhares de pedidos das trincheiras. Porém, a demanda não poderia ser totalmente atendida, pois os alimentos que faziam parte do kit continham um curto prazo de validade, somente 24 horas e não era tempo suficiente para chegar aos teatros de operações que muitas vezes estavam distantes em 400, 500, 600 quilômetros de distância.
Foi aí que a necessidade forneceu novas ideias para um novo tipo de kit do Lunch Expresso, um que resistisse as longas viagens, e pudesse chegar intacto até os locais de combate, até as trincheiras. Foram adotadas paçocas, que eram preparadas pela Exma. Sra. Baby Pereira de Souza Jordão. Também foram introduzidos: fatias de torrada; 1 pedaço de goiabada e dois tabletes de chocolate. Cada alimento deste novo kit era envolvido em papel impermeável e tudo junto em um pacote de papel grosso, carimbado e amarrado com um tipo de cordão.Esses pacotes eram postos em grandes sacos de juta para, no lombo de burrinhos, que podiam, por exemplo, tranquilamente subir morros até às trincheiras, de acesso mais difícil.Em primeira análise, pode parecer difícil de entender como uma única pessoa poderia preparar milhares de paçocas para os milhares de homens que estavam empenhados na guerra. Mas a verdade é que para o preparo das referidas paçocas, a I.A.B. foi amparada por duas cozinhas, uma no Edifício Club Comercial (mesmo local onde foi feita a segunda reunião do M.M.D.C.) que se localizava no Vale do Anhangabaú, ao lado dos Palacetes Prates. O Club Comercial havia sido inaugurado em 1930 e possuía diversos escritórios, lojas, e salões de baile. O M.M.D.C. incumbiu-se de ajudar, forneceu os ingredientes e todo o material necessário. As supervisoras desta cozinha foram as senhoras Clotilde Uchôa da Veiga e Leonor Sampaio Moreira, esposa de José Sampaio Moreira, fundador do Edifício Sampaio Moreira, tido como um dos primeiros arranha-céus de São Paulo, inaugurado em 1924, com 12 andares. A segunda cozinha foi a Trianon, cedida pelo senhor Rosatti e foi dirigida pela senhora Sebastiana Cunha Bueno. Ambas as cozinhas existiram durante todo o mês de setembro de 1932, mas produziram milhares de paçocas que eram enviadas diariamente para o armazém da Rua 24 de Maio.

“Era um lugar que fazia paçoca, fazia uns cartuchos de paçoca, pra mandar pros soldados na frente, então enchia esses cartuchos de paçoca, e tal, mandava aqueles caminhões (…) e depois, trabalhava na Liga das Senhoras Católicas, lá, trabalhei muito lá. Aí ia buscar costura, era na rua Líbero Badaró, pra mamãe fazer lá em casa dela, e nós fazíamos tricô, (…) fazia aqueles capuzes pros soldados lá na frente, suéters, cachecóis, todas essas coisas, não é ? E trabalhávamos também lá no Trianon, na avenida Paulista. A paçoca eu acho que era aqui, era perto do Teatro Municipal, ali na casa do Samuel Alves Vieira, ele ofereceu, e tinha uma paçoca ali na avenida Paulista, no Trianon… “1

O Club Comercial ficava ao lado do Edifício Martinelli, o prédio mais à esquerda e ao fundo, que está em construção. O edifício mais ao centro, com cinco arcadas é o Palacete Prates 1, e que por sua vez, esta ao lado do Edifício Sampaio Moreira. 
Foto originária do site: netleland.net LAAMARALL.

O Lunch Expresso no Setor Sul
Em alguns setores da guerra foram abertos postos da I.A.B. O primeiro foi em Itapetininga sob a direção de D. Marianinha o Vale Neto que não só organizou a estrutura para a produção em massa do kit Lunch Expresso, mas, também fez um anexo nesta oficina, preparou uma estrutura para que os combatentes daquele Setor pudessem renovar as energias com um banho tranquilo, essencial e revigorante, além de trocar de roupa e ter algum momento de descanso. Este primeiro posto da Instrução Artística do Brasil, fora da Capital utilizou os espaços do Ideal Cinema, cedidos pelo senhor Salvador Bisola. Este cinema funcionou na Rua Monsenhor Soares. Em dois meses de funcionamento em Itapetininga, foram fabricados e fornecidos 90.000 lanches para diversas trincheiras do Setor Sul. Definitivamente um trabalho incrível.
O Lunch Expresso no Setor Norte
No dia 13 de agosto foi fundado em Lorena, Setor Norte, em uma propriedade do Dr. José Vicente de Azevedo. A responsável deste posto da I.A.B. foi a senhorita Jandira Freire e que funcionou naquela cidade somente por quatro dias, fornecendo 2.525 lanches. Embora este posto tenha funcionado por muito pouco tempo em Lorena, ele apenas fechou para que fosse transferido para Cruzeiro, cidade mais próxima dos combates.  Então, no dia 19 já estava sendo produzindo os kits em um Cruzeiro, em uma casa dentro de bom jardim, de propriedade do colégio Instituto Cruzeiro, que desde o dia 16 de agosto funcionava produzindo outras provisões para a guerra. O local não era o mais adequado, então o prefeito de Cruzeiro cede o Grupo Escolar Arnolfo Azevedo. Os soldados que ali estavam alojados dividiriam espaço com a I.A.B. Determinou-se que o posto nesta cidade seria como o de Itapetininga com um balneário anexo. Nesta ocasião chegam o enviado do M.M.D.C., com a ideia de instalar uma Casa de Descanso. Aceitou a I.A.B. a ideia determinando não abandonar a casa fornecida pelo Instituto Cruzeiro, ficando aí a moradia das moças, o Lunch Expresso e a lavanderia, no Grupo Escolar, o balneário então foi ampliado com dormitórios para a Casa do Descanso.

Repouso do Soldado em Guaratinguetá, setembro de 1932.

Ocorreram vários problemas no fornecimento de água em diversos locais da cidade de Cruzeiro, o delegado técnico, providenciou um encanamento especial puxado do rio Paraíba e construiu dois grandes tanques par a lavagem de roupa, telheiro com ligação para a máquina de lavar e secar, máquina esta que foi cedida gentilmente pela casa Campos Sales & Cia, localizada na Capital paulista. A organização do Lunch Expresso, serviço de lavanderia e Casa do Descanso de Cruzeiro foram diretamente dirigidos pela D. Helena Magalhães Castro, auxiliada pela D. Dinah Almeida que em sete de setembro foi designada pelo Coronel Euclydes Figueiredo para administrar um novo estabelecimento, denominado Repouso do Soldado, em Guaratinguetá, sediado no Orfanato N.S. da Purificação que podia atender até 500 soldados por vez, diferentemente do espaço de Cruzeiro que comportava   a lotação de até 150 soldados. A Instrução Artística do Brasil acompanhou D. Dinah Almeida e claro, o Lunch Expresso também.
A estrutura deste grande convento em Guaratinguetá funcionou perfeitamente organizada. Para utilizar os serviços prestados os soldados posicionavam-se em fila e ao passar pela portaria eram cadastrados, em seguida passavam por uma sala que foi destinada para acondicionar todo o armamento e equipamento daqueles que iriam ter um período de folga. Em passavam pela seção de Rouparia e recebiam roupa, botinas, toalhas de banho limpas e sabão para a higiene pessoal. Em seguida um a um passavam em uma consulta com um médico . Em seguida o tão esperado e relaxante banho. De banho tomado os soldados estavam prontos, de fato, para aproveitar um curto período de folga, podiam ir ao pátio do local onde havia uma cantina onde podiam servir-se à vontade de café. Em outras dependências do local foi criado uma sala para leitura, dotada de revistas, livros, papel e lápis para aqueles que quisessem ler e escrever cartas, além de um local com refeitório. As Indústrias Matarazzo forneceu um projetor de cinema para que fossem exibidos filmes, também para o entretenimento dos soldados que voltavam dos violentos combates. Por fim nos andares superiores encontravam-se os dormitórios. Nos fundos do prédio, em um chalé, estava instalado a lavanderia, passadeira e oficina de costura.Infelizmente as bombas inimigas castigaram Guaratinguetá e a paz do Repouso do Soldado foi afetada. Encerrando suas atividades no dia 25 de setembro.  Todo o material foi retirado do edifício e guardado em um vagão de trem, o Número 133 VM, que foi escondido em Jacareí, aguardando uma nova estrutura para que o material pudesse continuar a ser utilizado. Infelizmente, este carro acabou sendo apreendido pelas tropas getulistas e foi enviado para a Estação Deodoro, já no estado do Rio de Janeiro. Com o fim da guerra, D. Helena de Castro Magalhães foi até o Rio com o intuito de reaver o material confiscado, porém só pode resgatas uma máquina de lavar roupa, alguns colchões e travesseiros em tão mau estado que apenas 20 colchões e 35 travesseiros o qual foram destinados ao Sanatório de Santa Cruz em Campos do Jordão.

A participação da Instrução Artística do Brasil após a cessação das hostilidades
A I.A.B. na Capital produziu o kit de lanche até o final da guerra, dia 05 de outubro, pois, embora o armistício tivesse sido assinado no dia 02 e outubro, em Cruzeiro, muitos grupos de pessoas continuaram trabalhando, pois não aceitavam ou não acreditavam no final da guerra e ainda sim era necessário amparar os soldados e quem voltava das vanguardas.Devido a grande demanda na produção de kits do Lunch Expresso, um número excedente ficou em estoque, então acabou sendo doado para dezenas de casas de caridade.Entre os dias 15 de julho e 4 de outubro, o I.A.B. distribuiu mais de cem mil kits do Lunch Expresso e contou com a ajuda de centenas de mulheres. Então no dia 10 de outubro o armazém da Rua 24 de maio, foi cedido à Liga das Senhoras Católicas (L.S.C.) e que o utilizaram o espaço para depósito de mercadorias e distribuição de roupas aos soldados constitucionalistas que se retiravam para suas residências, nas mais longínquas terras do interior bravio do Estado de São Paulo. Felizmente, no dia 20 de outubro, a L.S.C. pode terminar sua ao soldado da lei e então devolveu o espaço que fora cedido pela Instrução Artística do Brasil e esta, então, prepararam ainda no dia 21 de outubro mais alguns kits de lanche, pois ainda havia quem necessitasse, afinal, acabávamos de sair de uma guerra. Os novos kits continham bolachas, biscoitos e chocolate, acondicionados em latinhas em formato de maleta que foram dadas para as crianças da Fundação Paulista de Assistência à Infância e Grupo Escolar S. Vicente de Paula.Por fim, no dia 26 de outubro o armazém localizado no número 2 da Rua 24 de Maio foi devolvido, perfeitamente limpo, todo em ordem, sem nenhum dano ao patrimônio, para seu proprietário o Dr. Samuel Ribeiro.A criação do Lunch Expresso gerou recebimento de algumas doações por essa “repartição” da Instrução Artística do Brasil, portanto, foi repassado do Lunch para a I.A.B. as seguintes doações:1 – máquina de escrever com mesinha correspondente, 1 – dúzia de lápis, 3 – canetas, 4 – borrachas, 1 – caixinha de elástico, 2 – máquinas de carimbo, 100 – distintivos esmaltados, 50 – distintivos faixa

 Os nomes de algumas mulheres e outras pessoas que trabalharam durante guerra auxiliando os serviços oferecidos pela Instrução Artística do Brasil estão relacionados abaixo no final deste artigo bem como os registros de agradecimentos publicados no Relatório da Diretoria em 1933. E consta a assinatura de Helena de Magalhães Castro, Guilherme de Almeida e João de Souza Lima. O documento foi publicado na Revista Paulistania – Órgão Oficial do Clube Piratininga. N. 83 do Ano de 1979.

Equipe do Lunch Expresso da Rua 24 de Maio em São Paulo.

Equipe do Lunch Expresso da Rua Monsenhor Soares em  Itapetininga, Lorena, Guaratinguetá e Cruzeiro.

Os Agradecimentos dos diretores da Instrução Artística do Brasil, publicado em seu relatório no ano de 1933.

Bibliografia:   

1-      SCHPUN,Mônica Raisa – http://www.artelogie.fr/ (acesso em 27-02-2017). 

  • Martins, Ana Luiza.  Insólita Metrópole: São Paulo nas Crônicas de Paulo Bomfim.
    – Revista Paulistania – Órgão Oficial do Clube Piratininga. N. 83 do Ano de 1979.
    – São Paulo Metrópole do Século XX – Banco de Dados da Biblioteca do jornal – Folha da Manhã S/A.  http://www.revista.brasil-europa.eu (acesso em 27-02-2017).
    http://netleland.net/ (acesso em 27-02-2017). 
    – http://bonavides75.blogspot.com.br/2013/09/helena-de-magalhaes-castro-111-anos.html (acesso em 27-02-2017).