A Revolução de 32 na Bahia

Gostaríamos de apresentar um livro importantíssimo sobre a História da Revolução Constitucionalista de 1932. Na verdade, é mais do que um livro, é um capítulo importantíssimo dessa jornada épica da vida real, afinal é isso que é 32. Como o próprio autor anotou: “Ao escrever este livro, anima-me só e só o interesse de trazer mais uma página, vivida, para a história da revolução constitucionalista”.

O nome da obra é “XXII de Agosto! – O Movimento Constitucionalista na Bahia”. É o livro que melhor narra o desdobramento da Revolução Paulista no Estado da Bahia. “XXI de Agosto!” é uma reportagem bem vivida dos dias em que a Bahia, embora de longe, se uniu a São Paulo, batalhando pelos ideais da nossa terra. É um livro que pode passar desapercebido aos olhos da população em geral, mas, o estudioso, o pesquisador da Revolução de 32 ficará extremamente feliz ao encontrar este raro livro, publicado pela primeira e última vez em 1933, impresso na Companhia Editora Nacional, que à época ficava em São Paulo na Rua dos Gusmões. Em São Paulo vendeu mais de 5 mil exemplares e em Salvador, mais de 3 mil.

O autor é um baiano, o Dr Nelson de Souza Carneiro, um homem jovem que em 1932 contava seus 22 anos de idade, recém-formado em Direito, (Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia) e que posteriormente se tornou um político de grande expressão nacional, tendo seu nome, até mesmo, inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, de tanto merecer. Aos 20 anos de idade viu o golpe de 1930 lograr êxito e se tornar a Revolução de 1930. Como ele mesmo anotou em neste livro, “fui um desses foliões”, se referindo ao fato de ter sido uma das milhares de pessoas do povo, que saíram às ruas em apoio ao golpe de 1930, no caso em sua cidade, Salvador. Posteriormente, foi também uma das milhares de pessoas que se voltaram contra os revolucionários de 1930, apoiando os ideais chefiados pelo Estado de São Paulo.

Dr Nelson de Souza Carneiro

Deixando escrito em seu livro: “Por isso mesmo aquilato hoje do ridículo de minha atitude, quando me dou ajuizar do rol de pecados da ditadura.” Em 15 de julho de 1932 o sr. Francisco Firmino Franco, secretário do embaixador do sr. Arcebispo primaz da Bahia, declarou ao jornal Folha da Noite que está inteiramente com a causa constitucionalista pela qual se batem as forças paulistas e o jornal registrou: “Na Bahia, o senhor Francisco Firmino Franco, disse-nos que São Paulo é conhecido e amado. Não há quem não saiba da grandeza paulista e do grande patriotismo, que é o maior título de glória do heroico povo de São Paulo. Na terra de Ruy Barbosa são seguidas, de perto, com a mais viva simpatia, todas as manifestações da formidável energia da gente bandeirante. – E qual seria a atitude da Bahia neste momento? – Afirmo-lhes, sem medo de incorrer em engano, que o povo baiano, nesta hora de redenção da pátria, está com S. Paulo. O povo do sertão baiano não desmentirá, neste momento, as suas tradições de bravura e cavalheirismo. O povo do sertão e o povo do litoral baianos saberão cumprir o seu dever. Pode a ditadura assoalhar que a Bahia está ao seu lado. Mentira. A Bahia não é o Tenente Juracy (interventor federal na capital baiana) somente. A Bahia é o seu povo liberal e forte, povo que em todos os momentos difíceis para a nossa nacionalidade sempre esteve, unânime e coeso, ao lado do Brasil. Eu, de minha parte, estou com as forças revolucionárias chefiadas pela gente paulista. Hoje sigo para S. Carlos, onde aguardarei ordens dos chefes militares”.
E cheio de entusiasmo deixou-nos o sr. Firmino Franco, depois de reafirmar que o povo baiano comunga com o povo de S. Paulo os altos ideais pelos quais se batem ao lado dos mato-grossenses, riograndenses, mineiros e paranaenses.

O livro, “XXII de Agosto!”, cita o nome de diversas personalidades e instituições baianas que apoiaram a Revolução de 1932 em seu próprio Estado. Os registros destes fatos históricos, de que houveram levantes constitucionalistas em outras capitais do Brasil, mostram claramente que era um movimento de projeção nacional, não somente restrito em São Paulo. Assim, estes focos revolucionários, por si só mostram a grandeza dos ideais de 32.

A obra do Dr Nelson de Souza é leitura obrigatória para quem pesquisa a História da Revolução de 1932. Inicia-se o mesmo com um belíssimo prefácio de Menotti Del Picchia e logo o autor passa a discorrer sobre a Revolução de 32. Quem não for estudioso e tiver o privilégio de lê-lo, sinta-se um privilegiado, pois é uma fonte histórica de extrema qualidade, infelizmente ao alcance de poucos.

Ele fornece, primeiramente, o contexto da Revolução de 1930 na Bahia e a “conquista” da capital baiana. Conta-nos, brevemente, sobre a questão da interventoria daquele estado e a mudança no comando daquela região militar (6ºRM) que se demonstrou extremamente ditatorial, tendo características ainda mais criminosas do que em São Paulo. “Aos poucos, o gaio reacionário foi despindo as vestes de pavão liberal.”

Contra a imprensa, censura rigorosa. Afirmam-nas as prisões continuadas de jornalistas. A Revolução Constitucionalista na Bahia não se iniciou em 9 de agosto. Houve uma articulação após a deflagração em São Paulo. O Dr Nelson Carneiro também narra os acontecimentos na Bahia ante o 23 de maio, demonstrando que houve apoio e grande compadecimento do povo baiano aos fatos da noite de 23 para 24 de maio: “Os acadêmicos de Direito marcaram para 31 daquele mês uma homenagem aos quatro sacrificados – Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, que dariam, muito em breve, as suas iniciais para um dos mais eficientes serviços de assistência e alimento, durante os dias da Revolução Constitucionalista: – M.M.D.C.” Na manhã de 7 de julho, encontrava-se em sua casa quando foi preso. Naquele momento era o chefe de redação do jornal “O Imparcial” e sua prisão foi devida a um artigo que o mesmo publicou, ontem, com sua assinatura, tratando das mortes do General Wanderley e do Capitão Lobo, ocorridas na Paraíba, por ocasião da Revolução de 1930. Preso foi incomunicável e recolhido ao xadrez comum na secretaria da Polícia. O artigo motivador da prisão omite qualquer referência nominal.

Ainda em seu livro, Nelson explica que onde a luta constitucionalista percutiu, com maior interesse, foi, sem dúvida, no seio da classe acadêmica, de si mesma, na Bahia, sempre refrataria às injunções políticas. Por isso que a arrancada de julho visava entregar o país ao regime legal, os moços cedo se convenceram que era chegado o dia de, coletivamente, afirmarem o seu caloroso protesto contra a desorganização vigente de coisas. Logo os anfiteatros da gloriosa Faculdade de Medicina se converteram numa assembleia de revolucionários, disposta a nada recusar pelo êxito da causa que, pela primeira vez nestes últimos anos, os fazia vibrar, assim tão confraternizadoramente solidários.

Na primeira quinzena de julho, iniciaram-se as sessões cívicas no anfiteatro Alfredo Brito, o maior de quantos possuo aquele estabelecimento, e de tal forma concorridas, que, não raro, transbordavam, pelos corredores que desembocam no salão, os ouvintes. À frente dessa juventude, destacou-se, de início, Antônio Viana, do 4º ano médico. Outros o seguiram, se não o igualaram, no preparar a gloriosa epopeia de 22 de agosto. O entusiasmo crescente dos acadêmicos de medicina levou àquelas reuniões, quase diárias, os alunos das outras Faculdades, e muitos de seus mestres mais queridos e mais respeitáveis se aliaram, pela palavra e pelo coração, àquela soberba profissão de fé cívica. Os estudantes de Direito da Bahia, realizaram uma significativa homenagem à Rui Barbosa, encarnando-o como apostolo maior do civilismo e o mais autorizado dos reclamadores da Constituição. As proclamações ouvidas nos rádios de São Paulo, apesar da perseguição dos ditatoriais, eram mimeografadas, quando não impressas, e fartamente espalhadas por Salvador e pelo sertão baiano.

“Ouvi, Bahianos , a voz viril, cheia de entusiasmo, dos nossos irmãos do Sul, que querem implantar no Brasil o regime da Lei e da Liberdade, único regime em que se acomodavam as nossas consciências livres. VIVA O BRASIL! VIVA S. PAULO! VIVA A BAHIA!” – Nelson de Souza Carneiro. XII de Agosto! – O Movimento Constitucionalista na Bahia. 1933 Este livro é a História do levante armado da Faculdade de Medicina da Bahia passa, assim. ao conhecimento do Brasil, que assistiu, entre incrédulo e admirado, o resultado daquela tentativa revolucionária culminada na prisão de sete catedráticos e quinhentos e dezessete acadêmicos na Penitenciária do Estado da Bahia. Em 1934, Nelson foi um constitucionalista vitorioso e ativo, tendo sido escolhido o delegado constituinte da Bahia em 26 de junho daquele ano.